EDUCAÇÃO ESCREVE-SE COM D, DE DÍVIDA. E V, DE TODOS A VOLTAR À ESCOLA.
Pressões para cortar no dinheiro para a educação: resistir-lhes é garantir não apenas o futuro covid-free, mas sobretudo um futuro ignorância-free. A população e a cidadania agradecerão.
"Mais reconhecimento para os professores, mais participação dos alunos nas decisões são algumas das propostas para a educação - UNESCO deixa várias recomendações sobre a escola do futuro
Depois dos desafios colocados à educação, em todo o mundo, por causa da pandemia de covid-19, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)propõe que, de maneira a esbater as desigualdades, se disponibilizem recursos educativos e tecnológicos gratuitos para professores e alunos.O relatório denuncia que a pandemia veio expor “vulnerabilidades e desafios” em todo o mundo. A crise da covid-19 expôs uma “imagem clara das desigualdades existentes”, diz o relatório Nove Ideias para a Acção Pública — Educação, Aprendizagem e Conhecimento num Mundo Pós-covid-19, realizado pela Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação.No mundo existem cerca de 1,5 mil milhões de estudantes. Contudo, nemtodos têm acesso à educação e, em tempos de confinamento e ensino à distância, muitos ficaram para trás. O texto dá como exemplo os alunos da África subsariana: apenas 11% têm computador em casa e 18% tem Internet, quando a média mundial é de 50% para o equipamento e 57% para o acesso à rede. “É particularmente importante que o mundo apoie os países em desenvolvimento com investimento em infra-estruturas educacionais do século XXI; isso exigirá a mobilização, recursos e apoio dos países desenvolvidos, em particular com o cancelamento da dívida, reestruturação e novos financiamentos”, defende Sahle-Work Zewde, presidente da Etiópia, que preside à comissão, no prefácio do relatório.O abandono escolar poderá ser uma das consequências graves desta pandemia, o que vai levar a uma regressão de “várias décadas”, continua a responsável, sem esquecer o impacto na educação das raparigas. Serão sobretudo elas que poderão não voltar à escola, alerta o relatório que começa por elogiar os professores, a sua resposta e adaptação rápida às circunstâncias do ensino à distância, embora façam parte de um leque de profissionais que são “frequentemente mal pagos”, apesar de terem “grande importância social”.As escolas fechadas podem levar ao aumento das desigualdades já que este é um espaço que além do ensino oferece outros serviços como alimentação — por vezes, a única refeição “decente” do dia — e bem-estar. “As escolas são espaços de vivência colectiva que não podem ser substituídos por ensino remoto ou à distância”, defendem os especialistas.Esta crise de saúde que, como consequência, se tornou também uma crise económica veio mostrar a importância do ensino público, como este é “crucial” no combate às desigualdades, defende o texto. No entanto, os especialistas estão preocupados com as possíveis consequências da crise económica. Se, por um lado, haverá famílias que não conseguirão manter os filhos na escola; por outro, o financiamento da educação pode vir também a sofrer. Por isso, é pedido aos governos para “resistir às pressões para restringir os gastos com educação no futuro”. A comissão apela, assim, a que não só os governos, mas também as organizações internacionais, civis e os cidadãos se mobilizem na protecção do ensino público e seu financiamento, alertando ainda para a necessidade de evitar a corrupção ou o desvio de fundos que devem ser aplicados nas escolas.Embora a educação não possa acontecer fora do âmbito pedagógico e da relação professor/aluno, também não pode ficar refém da tecnologia — como se poderia supor com o recurso ao ensino à distância. Esta é uma “ferramenta formidável”, mas não pode ser uma “panaceia” e deve ser usada com cuidado, de maneira a não comprometer a privacidade. “É uma ilusão pensar que a aprendizagem online é o caminho a seguir para todos”, diz o relatório.A comissão defende ainda que os alunos sejam ouvidos neste processo e envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito. Aliás, este procedimento democrático visa combater o ressurgimento de “políticas autoritárias”. No mesmo sentido vai a recomendação de construir currículos que dêem prioridade “à pessoa como um todo e não apenas [transmitindo- lhe] competências académicas”.Preocupada com as fake news e a falta de informação, a comissão defende que se dê prioridade à literacia científica, assegurando um currículo com “fortes objectivos humanísticos”, em que se explore a relação entre factos e conhecimento, ajudando os alunos a “compreenderem e a situarem-se num mundo complexo”.
Leia mais aqui, incluindo a possibilidade de descarregar o relatório (pdf)
https://www.publico.pt/2020/06/19/impar/entrevista/ensino-distancia-veio-exacerbar-desigualdades-existentes-1921245